por Eduardo Cozer
O cavalo selvagem trotava despreocupadamente pelo vasto mar de capim, como fizera por toda sua vida. Gostava de testar a explosão dos seus músculos e sentir o vento matinal pentear sua crina castanho-clara. Naquele fatídico dia, bebeu da água mais pura do lago que visitava diariamente. Mas então, quando o sol já havia atingido razoável altura na abóbada azul sobre sua cabeça, o jovem cavalo selvagem alcançou os limites de terras conhecidas até então. Nunca havia passado da densa floresta à sua frente.
- Por que não? - lançou o desafio para si mesmo, fungando com suas enormes narinas, enquanto curtia a adrenalina da possibilidade de viver uma grande aventura.
- E se o capim do lado de lá for ainda mais saboroso? E a água mais pura? - pensou além.
De maneira que nada mais podia detê-lo. E ele foi. Atravessando a floresta, sentiu calafrios e suas orelhas pontudas captaram sons estranhos em toda sua volta repetidas vezes. Sua imaginação eqüina lhe pregava peças e o fazia pensar em criaturas assustadoras que seriam capazes de dominá-lo toda vez que ouvia um ruído diferente vindo de trás das árvores.
- Toda grande recompensa exige uma árdua provação - convenceu-se, determinado a prosseguir. Afinal de contas, era um cavalo selvagem e precisava mais do que uma floresta escura para tirá-lo do seu caminho.
Ao sair da floresta densa, pode avistar algo novo, totalmente diferente. Era como se fosse uma toca de algum bicho muito, muito grande. E havia uma área ainda maior cercada por algo que pareciam troncos deitados e metodicamente empilhados. Muito curioso. Lá avistou um cavalo como ele, porém malhado, gordo e cheio de ornamentos sobre si. No mínimo excêntrico.
- Saudações, amigo eqüino! Como vai você? - perguntou cheio de entusiasmo o cavalo selvagem, maravilhado com a imponência de tudo que o cercava. Havia de ter chegado num lugar melhor.
- Quem é você? Eu já o vi antes? Duvido muito! Hummm... Como você chegou deste lado? Oh não! Rápido, rápido, esconda-se antes que eles o vejam - disparou o cavalo gordo de olhos ansiosos. Era óbvio que ele sabia de algo que seu interlocutor desconhecia completamente. E esta defasagem de informação o deixava ainda mais histérico.
- Calma, calma... O que há com você, meu amigo relinchador exagerado? Vejo um belo ambiente, grama verdinha a se perder de vista, água a um trote de distância... O que eu deveria temer por aqui? Acabo de vir da floresta. Não há nada lá. Ela é um pouco assustadora para quem não conhece, eu sei, mas... - falou e falou, posando de herói, até ser interrompido abruptamente.
- Tarde demais! Eles estão vindo, sua mula!!! Corra!!! - alertou mais uma vez o cavalo gordo e malhado.
- Quem? Aquelas figurinhas ridiculamente pequeninas? - indicou com seu pescoção comprido os quatro homens que vinham caminhando em sua direção - É a eles que devo temer? - relinchou longamente o cavalo selvagem do débil desespero do outro.
Foi então que, mais rápido do que uma batida de coração, sentiu uma pontada forte na sua anca. Uma dor profunda e lancinante. Passados alguns instantes, era como se seus músculos não mais o obedecessem. Ouviu mais alguns apelos em vão do companheiro que havia tentado alertá-lo mas já não conseguia discernir o que era real e o que era penumbra. Desabou inconsciente.
Desconhecia rédeas, selas e estribos. Nunca havia experimentado rações, água parada no bebedouro e a mobilidade estabelecida pelo comprimento de uma corda amarrada ao seu pescoço. Começava a entender que nada tinha de bom no lado de cá, além da floresta, que fora, de certa forma, sua proteção por tantos anos. E, acima de tudo, não suportava a visão do cavalo gordo e malhado que sempre lhe direcionava um olhar penoso e sem vida.
O jovem cavalo selvagem descobriu que para algumas duras provações impostas pela vida não havia recompensa equivalente. E descobriu da pior maneira possível. Tornou-se um velho cavalo domesticado e infeliz.
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